Caxias é coisa de Cinema. Anotações sobre “A Faca e o Rio” e outras tomadas cinematográficas

Caxias é coisa de Cinema. Anotações sobre “A Faca e o Rio” e outras tomadas cinematográficas
IMAGENS - “A Faca e o Rio”: cartazes em português, holandês e inglês e duas cenas em Caxias, na Igreja Catedral. O diretor George Sluizer e o escritor Odylo Costa Filho. Cartazes de “Uma História de Amor e Fúria” e “Fitzcarraldo”.
Publicado em 19/02/2024 às 18:24

Edmilson Sanches é convidado da Academia Poética Brasileira.

Por: Mhario Lincoln

Fonte: Edmilson Sanches

Há um ano e meio, em agosto de 2022, no Rio de Janeiro (RJ), consegui cópia do filme “A Faca e o Rio”. Há tempo eu procurava um exemplar dessa obra cinematográfica do diretor holandês (nascido em Paris) George Sluizer, que morreu em 2014, aos 82 anos, em Amsterdã  — portanto, em 20 de setembro deste 2024 completam-se dez anos de sua morte.

Obtive a cópia após contatos com servidora da Fundação Casa de Rui Barbosa, que, por sua vez, antes, contatou herdeiros de Odylo Costa Filho residentes na capital fluminense. Depois me informaram que a família não apresentara objeção. Passaram-me um “link” onde estava o filme e eu providenciei três cópias  —  uma para a Academia Caxiense de Letras (ACL), outra para o Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC), e a minha. No mesmo agosto de 2022 enviei mensagem ao presidente da ACL, Ezíquio Barros Neto, e consensamos que, no melhor momento para a Academia, seria feita a exibição do filme.

 Sob ofício, em 8 de agosto de 2023, encaminhei mídia digital com cópia do filme para o Instituto Histórico. No documento para a Presidência, escrevi: “Na forma de conversa mantida com V. Sª, encaminho, para o acervo desse Instituto, um DVD contendo cópia do filme “A Faca e o Rio” (“João em het Mes”), do diretor holandês George Sluizer, com diversas cenas gravadas em Caxias e com participação de alguns caxienses. // Na oportunidade, relembrando a conversa que mantivemos, solicito-lhe que providencie cópia para entregar à romancista e palestrante Ana Miranda, que estará no IHGC nesta semana. Em razão de viagem, não foi possível fazer antes essa segunda cópia. // Relembro que a cópia desse filme, buscada por diversos pesquisadores e outros interessados caxienses, foi-me facilitada por intercessão de servidor da Fundação Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro, durante longo período em que permanecemos na capital carioca. // Agora, para conhecimento de quem, em Caxias, tem interesse em conhecer, fica o acervo desse Instituto enriquecido com mais essa obra.”

Minha lembrança da atriz principal, Ana Maria Nóbrega Miranda, na correspondência ao IHGC, adveio do fato de que Ana me dissera que “nem mesmo ela” dispunha de uma cópia desse marcante filme na vida artística e pessoal dela. Ana Miranda disse-me isso em conversa entre uma pergunta e outra que alunos da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), em Caxias, nos faziam após palestra ministrada conjuntamente por Ana e por mim, no auditório daquela Instituição, no histórico Morro do Alecrim.

De minha parte, além da presença de Caxias, estava à procura desse filme por uma razão pessoal: eu presenciei a gravação de diversos planos das cenas dos personagens principais na delegacia de polícia, quando a personagem Maria, vivida por Ana Miranda, faz sua denúncia contra o marido, temerosa (ou certa) de que iria ser morta por ele, o velho vaqueiro João da Grécia, personagem do notável José Joffre Soares e que dá nome ao filme na titulação em holandês (ou neerlandês): “João en het Mes” [João e a Faca]. 

De cesta de vime na mão, eu, como habitualmente, fazia as compras de casa naquela manhã no antigo Mercado (hoje Prefeitura) Municipal. Eu era menino ainda (naqueles inícios dos anos 1970 devia ter entre 10 e, no máximo, 12 anos, a depender do ano das filmagens em terras caxienses  —  o filme, como se sabe, é de 1972, mas também é creditado como sendo de 1971; chegou ao Brasil pelo Rio de Janeiro, com pré-estreia em 18 de agosto de 1973). 

Lembro-me bem de que, postado na frente do comércio do Seu Nonato Babá (Raimundo Nonato Saraiva de Carvalho, há pouco empo falecido), localizado em um dos quatro cantos do Mercado, encompridei o olhar e fiquei reparando na atuação do alagoano José Joffre Soares (1918—1996), da cearense Ana Maria Nóbrega Miranda (1951) e da mineira Áurea de Souza Campos (1919—1998), que interpretou a personagem Ana, amiga de Maria, e que encara João e sabe do que ele é capaz de fazer. (Em agosto de 2017, em conversa com o arquiteto, pesquisador, escritor e presidente da ACL, Ezíquio Neto, relatei esse momento de meu testemunho daquelas filmagens de “A Faca e o Rio”, que o Ezíquio incluiu no alentado e bem documentado texto “Cenas de um Filme em Caxias”, que se pode ler em seu “blog”, no “link”: https://eziquio.wordpress.com/tag/faca/ .

Alguns nomes maranhenses tiveram pequenas participações no filme, entre eles Murilo Sarney (1938—2003; advogado, auditor estadual), que também contribuiu na produção; Genu Moraes (Maria Genoveva de Aguiar Moraes [1927-2015], jornalista e escritora piauiense; no Maranhão, foi a primeira mulher presidente do Sindicado dos Jornalistas); e Aldo Leite (Aldo de Jesus Muniz Leite [1941–2016]), ator, diretor, dramaturgo, escritor e professor da Universidade Federal do Maranhão. 

A trilha sonora de “A Faca e o Rio” tem música de Heitor Villa-Lobos e a fotografia é do hoje famoso Jan de Bont. Nascido em 1943, Bont estudou Cinema e Televisão em sua terra natal, Holanda, e é produtor, diretor de fotografia e diretor de cinema em Hollywood  —  onde, entre outros, dirigiu filmes de grande sucesso como “Velocidade Máxima” (com Keanu Reeves e Sandra Bullock), “Twister” (com Helen Hunt e Bill Paxton e roteiro do médico e escritor “best-seller” Michael Crichton, autor também de “Jurassic Park” e tantos outros) e um baseado na série de jogos “Lara Croft” (“Lara Croft: Tomb Raider – A Origem da Vida”, com Angelina Jolie).

Diretor George Sluizer operou milagres.

Filmado em quatro estados (Maranhão, Piauí, Pará e Amazonas), “A Faca e o Rio” teve uma produção cheia de altos e baixos. Só para ilustrar, Joffre Soares, em papel elogiadíssimo, foi chamado à última hora para substituir o ator principal (nome não revelado), que adoecera. Tiveram de regravar todas as cenas feitas pelo protagonista anterior. Antes e além disso, houve incêndio na produtora do filme, queimou-se tudo…. Malas e equipamentos foram extraviados no Brasil… Um dos produtores, brasileiro, teve a Receita Federal em seu encalço… e foi obrigado a sair da equipe…

Mas George Sluizer persistiu. Afinal, após receber de presente uma versão para o francês do livro de autoria do maranhense Odylo Costa Filho, que era adido cultural em Paris, recebeu depois a presença do próprio escritor. Com a habitual bonomia brasileira e nordestina, Odylo convidou Sluizer para visitar o Brasil, onde o cineasta holandês produziu, em três meses, quatro documentários sobre o Nordeste, inclusive o Maranhão, onde filmou o Carnaval em São Luís. O contato com chãos e gentes nordestinos foi o germe criativo para o filme com a história do velho vaqueiro João da Grécia e sua nova  — novinha —  esposa Maria. 

As cenas que vi sendo filmadas na alta calçada em frente à delegacia de polícia (ainda se encontra no mesmo local até hoje, no centro de Caxias) estão na película e podem ser vistas a partir dos 53 minutos e 42 segundos (00:53:42) até os 56 minutos e 44 segundos (00:56:44), com o Mercado Municipal aparecendo ao fundo nos 54 minutos e 10 segundos (00:54:10).

Antes e depois dessas cenas, Caxias é vista em um belo “take” da chegada de vaqueiros para a missa, na Igreja Catedral Nossa Senhora dos Remédios. Quem fez o papel do oficiante da celebração, aparecendo um pouco longe, no altar, foi um amigo, padre mesmo, o monsenhor Clóvis Vidigal, que desejava criar um jornal em Caxias e, anos depois, me convidou para planejar a publicação e escrevê-la com ele. As cenas na Igreja têm início logo nos primeiros quinze minutos do filme, dos 00:14:15 aos 00:15:14, com o monsenhor Clóvis entrando quase difusamente em cena aos 00:14:36.

Outras cenas caxienses registram-se quase no final do filme. Com 1 hora, 21 minutos e 14 segundos (01:21:14), o “take” se inicia mostrando as duas torres, a cruz central e os dois sinos nos altos da Catedral, a mesma igreja de 67 minutos antes. A personagem Maria pergunta ao marido João se pode ir se confessar e recebe uma seca resposta afirmativa: “ — Isso é coisa que se negue a um cristão, dona?” As novas cenas na igreja, agora com cara e fala bem visível e audível do monsenhor Clóvis, inclusive contracenando com Ana Maria Miranda, se estendem por 1 minuto e 44 segundos, uma eternidade em Cinema e TV, e vão até 01:22:58, com monsenhor Clóvis Vidigal fazendo sua “reentré” no segundo 01:21:52.

No Piauí, muitas cenas foram gravadas na Fazenda Alegre, no município de Campo Maior. Essas terras, desmembradas, são hoje parte de  Sigefredo Pacheco, município criado em 29 de abril de 1992, com cerca de 10 mil habitantes e pouco mais de 1.030 quilômetros quadrados de área. Na época das filmagens, a fazenda era de propriedade de um médico e agropecuarista que deu nome ao lugar, Sigefredo Pacheco (1904—1980), nascido em Campo Maior, e que foi também farmacêutico, jornalista, professor e, como político, prefeito de Campo Maior, deputado federal e senador.

Na Internet, o filme “A Faca e o Rio” pode ser visto no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=jOhnsQKZLPU  .

Além de indicação para o Oscar e para o festival de cinema de Berlim, “A Faca e o Rio” chamou a atenção de outros cineastas, a exemplo de Werner Stipetić, nascido em 1942, em Munique, Alemanha, que adotou o nome de Werner Herzog (“duque”, em alemão). Herzog, após ver “A Faca e o Rio”, logo convidou e contratou George Sluizer para gerente de produção de “Fitzcarraldo” (1982), filme premiado em acreditados festivais  —  Cannes (França) e San Sebastián (Espanha) –, que conta a história de um fã de ópera e seu sonho louco de implantar uma casa para esses dramas musicais na região do Alto Amazonas. “Fitzcarraldo” foi o primeiro filme que assisti em DVD, pois este disco digital só se firmou mesmo no Brasil a partir de 2002. Valeu a pena ver grandes nomes do cinema brasileiro, como José Lewgoy (1920—2003) e Grande Otelo (1915—1993), estarem no “cast” juntos com nomes mundial, como os dos protagonistas, o polaco-alemão Klaus Kinski (1926—1991), que faz o papel do visionário Fitzcarraldo, e a tunisino-italiana Claudia Cardinale.

Como Caxias é também coisa de cinema, não esquecer que o filme de animação brasileiro “Uma História de Amor e Fúria” (2013), com Rodrigo Santoro, Selton Melo e Camila Pitanga, tem grande parte de seu enredo e imagens em ambiente da Caxias de 1825. Dirigido pelo jornalista, roteirista, produtor e diretor Luiz Bolognesi (nascido em São Paulo – SP, em 14 de janeiro de 1966), o filme percorre 530 anos, de 1566 a 2096, e vai das aldeias tupinambás do século 16 ao futuro quase apocalíptico no Rio de Janeiro do final do século 21. Resultado: trouxe, pela primeira vez para um país da América do Sul e Central, o “Oscar” dos filmes de animação, o prêmio francês Festival International du Film d’Animation d’Annecy. A lista de países vencedores até 2012 contemplava Hungria, Reino Unido, Tchecoslováquia, França, Japão, Estados Unidos, Coreia do Sul, Luxemburgo, Noruega, Hong Kong, Austrália, Polônia…  Aí, veio essa “História de Amor e Fúria”, onde Caxias é destacada, e abriu-se a porta da premiação… Tanto que, no ano seguinte, 2014, outro diretor paulista, Alê Abreu, ganhou o prêmio, com o filme “O Menino e o Mundo”. 

Mas essas são outras histórias  —  boas histórias —  de Cinema… 

Em seu passado sobretudo, na Literatura, na Música, no Teatro, nas Artes Plásticas, na Ciência (Medicina, Odontologia, Agronomia, Botânica…), na Política, na Economia, no Cinema, na História e na Cultura…. Viva Caxias!…