Igarapé do Meio, Pio XII, Zé Doca e Satubinha fazem parte dos 10 municípios em que MPF cobra R$ 900 milhões por supostas fraudes na educação
UOL – O Ministério Público Federal no Maranhão cobra na Justiça R$ 900 milhões de dez municípios do estado suspeitos de fraudar matrículas de alunos da EJA (Educação de Jovens e Adultos) para aumentar repasses recebidos do governo federal / Foto Ilustrativa
O que aconteceu
Fraudes ocorrem desde 2017 ao menos, segundo o MPF. O UOL teve acesso aos processos que tramitam na Justiça Federal do Maranhão. Ao todo, dez ações civis públicas foram movidas a partir de abril e cobram o prejuízo causado pelas supostas matrículas falsas. Também pedem a suspensão imediata dos repasses irregulares do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), até que seja realizado um novo Censo Escolar, o que está previsto para 2025.
Justiça Federal já autorizou bloqueio de R$ 150 milhões em contas. Valor atende a pedido do MPF para impedir a continuidade dos repasses irregulares até dezembro deste ano. Como se trata de um fundo do governo federal, a cada mês, o dinheiro vai direto para uma conta de cada município para custear a educação pública.
Ao inflar matrículas, cidades ampliam repasses. Prefeituras informam ao Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) o número de alunos matriculados, e o governo federal calcula o repasse dos recursos do Fundeb.
A estimativa é que, nos últimos anos, as dez cidades investigadas receberam indevidamente mais de R$ 753 milhões. Esse é o valor total referente às dez ações. O MPF cobra que, ao final de cada processo, seja ressarcido todo o valor indevido recebido. Somando com os R$ 150 milhões cujo bloqueio foi autorizado pela Justiça, o valor chega a R$ 900 milhões.
Para evitar que as cidades fiquem sem verba, a Justiça mandou usar outros critérios. Judiciário determinou que valores utilizem estimativa feita pela CGU (Controladoria-Geral da União) do número de alunos matriculados no programa EJA.
Confira a lista das dez cidades do Maranhão sob suspeita
- Santa Quitéria do Maranhão
- Zé Doca
- Igarapé do Meio
- Serrano do Maranhão
- Maranhãozinho – cidade conseguiu reverter parte do bloqueio
- Bacuri
- São Bernardo
- Satubinha
- Pio XII
- Altamira do Maranhão
Fraudes aumentaram na pandemia, aponta auditoria
Auditoria identificou fraudes em série. Apuração foi iniciada no ano passado e começou a partir de auditorias do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão e da CGU. A partir daí, a Polícia Federal e o MPF também passaram a se debruçar sobre os casos.
Esquema teria se intensificado durante a pandemia. Em Santa Quitéria do Maranhão, com 23,9 mil habitantes, houve registro em 2023 de mais de 4.500 matrículas, ou seja, 20% da população do município.
Cidade teve matrículas do EJA que dispararam 4.330% entre 2018 e 2022. Serrano do Maranhão, com 10,2 mil habitantes, também está entre os dez municípios investigados.
Média de alunos da EJA no Nordeste, segundo a CGU, é de 1,4% da população. Matrículas na modalidade de ensino feita para atender pessoas que querem ser alfabetizadas mesmo não estando mais em idade escolar vem caindo nos últimos anos em todo o país. Mesmo no Nordeste, a média é muito mais baixa do que a registrada nos municípios investigados.
Fraudes incluem uso de CPF falsos e até escolas que não existem. Ao investigar os casos de disparadas de matrículas, auditores da CGU e do TCE do Maranhão se depararam com uso de CPFs de pessoas mortas, de pessoas que moram em outros estados e até mesmo registros de escolas que nem existem. Os investigadores também chegaram a entrevistar pessoas que não estavam matriculadas, apesar de constarem nos dados oficiais dos municípios.
Alunos especiais superfaturados. No município de Igarapé do Meio, de 13,9 mil habitantes, a CGU constatou que até mesmo o número de alunos especiais foi fraudado. Entre 2014 e 2022, o município registrou sempre menos de 30 alunos especiais no EJA. Em 2023, porém, o número saltou para 751.
Desdobramentos por todo o país
Dois servidores públicos foram presos. Em paralelo às ações para cobrar os valores recebidos indevidamente, a Operação Contrassenso prendeu em maio dois servidores públicos municipais e cumpriu sete mandados de busca e apreensão em Santa Quitéria.
Investigação deve ter novos desdobramentos em todo o país. Como revelou o UOL, a Procuradoria-Geral da República já autorizou que a investigação seja ampliada para nove outros estados no Norte e Nordeste.
O Censo Escolar é a fonte mais importante de informações da educação brasileira e serve de parâmetro para toda a política educacional nacional, inclusive para o repasse de verbas dos principais programas como merenda escolar, transporte escolar, Fundeb etc. Quando ocorre uma fraude ao Censo, as consequências têm efeito em todos os municípios.
Juraci Guimarães, procurador regional da República e coordenador das investigações sobre as fraudes no Maranhão
O que dizem as prefeituras
MARANHÃOZINHO
Prefeitura reclama de investigação. A reportagem entrou em contato com todas as prefeituras citadas. Por meio de nota, a Prefeitura de Maranhãozinho disse que a investigação do MPF “padece de equívocos”. Afirma ainda que reverteu o bloqueio mensal dos valores até que seja concluída a apuração dos fatos. A decisão, de 9 de julho, também reduziu pela metade o valor bloqueado inicialmente. O valor total bloqueado citado na reportagem já considera isso.
SÃO BERNARDO – São Bernardo disse que já apresentou explicações à Justiça Federal e que caso está sob sigilo. Município afirmou ainda, por meio de nota, que as orientações da CGU sempre são levadas em conta na tomada de decisões.
BACURI – O município de Bacuri disse que ampliação de matrículas é resultado de “soma de esforços” entre prefeitura e Secretaria de Educação para melhorar qualidade do ensino. Em nota, município afirma que aumento reflete na elevação dos índices educacionais e que também é consequência de uma busca ativa de alunos após o aumento da evasão escolar constatada com a pandemia de Covid-19. Município também afirma que ação do MPF causa “estranheza” pelo fato de ocorrer em um momento que o MEC lança o Pacto Nacional de Combate ao Analfabetismo. Os demais não responderam até a última atualização deste texto. (Fonte: UOL)