LITERATURA….LITERALMENTE / POR PAULO RODRIGUES / EDITOR
FUMÊS AO CREPÚSCULO
Reinventar a vida é redimi-la de toda a sua crueza
não de suas mediações
É preciso desculpá-la em seu teatro cósmico
e reconhecer que nós continuamos
a ser tão ranzinzas, tão mesquinhos
William Carlos William deveria estar vivo
para ver este crepúsculo
Diante do mar
nós tiraríamos calmamente os nossos óculos.
Por Antonio Aílton, poeta, ensaísta, membro da Academia
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Inventário
Por Kissyan Castro
não tive ouro ou gado que me valha
neste pasto-imposto
cobrado à sanha de metralha
(em vez de dólar dolo
o duplo das vezes fezes)
não tive ouro ou gado que me valha
neste pasto feito excremento
o silêncio atroz que me navalha
é tudo o que hoje ostento.
Kissyan Castro, poeta, pesquisador, membro da Academia de Letras de Barra do Corda
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Meu povo, meu poema
Por Ferreira Gullar
Meu povo
e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova
No povo meu poema
vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar
No povo meu poema
está maduro
como o sol
na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga
se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui
devolvo
menos como quem canta
do que planta.
Ferreira Gullar, poeta, crítico de arte,
imortal da Academia Brasileira de Letras.
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CAMPO-SANTO
Por Carvalho Junior
é sombra de quintal e silêncio
a pedra que me cobre inteiro.
o canto de um choró-boi
garganteia a despedida,
na minha cruz de pau,
flor arrancada dos dedos
de um ancestral jenipapeiro.
Carvalho Junior, poeta pesquisador, ativista cultural,
imortal da Academia Caxiense de Letras.
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DOSE
Por Paulo Rodrigues
na praça Duque de Caxias
embriago
o sonho
nos olhos nômades
do meu ressentimento.
saio pisando
a cinza dos cigarros
sem interesse
no desespero do óbito.
encontro outros bêbados.
seguro na mão
do homem
que teima
em caminhar.
com as mãos ainda casadas
esmagamos uma aranha.
agora,
choramos juntos
mas, não morrerei de lucidez.
Paulo Rodrigues, poeta, ensaísta, membro
da Academia Caxiense de Letras
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