Raimundo Fontenele volta em grande estilo com um texto aplaudido pela crítica

Raimundo Fontenele volta em grande estilo com um texto aplaudido pela crítica
Publicado em 24/06/2024 às 12:06

“Ao professor Carlos Cunha confessei que era um jovem poeta e, se ele permitisse, gostaria de declamar um poema da minha autoria. Ele aquiesceu e em determinado momento fui chamado ao palco e, embora trêmulo, saquei a poesia do Padre Manoel do bolso e declamei-a como se fosse minha.” RF

Por: Mhario Lincoln

Fonte: Raimundo Fontenele

Arte: MHL. Color: Raimundo Fontenele.

VIRANDO POETA
Que me lembre, muito cedo comecei a escrever poesia, embora nunca houvesse lido  um livro de poemas. As poesias que conhecia eram aquelas dos livros escolares. Coelho Neto, Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Castro Alves, Gonçalves Dias, e o poema Meus Oito Anos de Casemiro de Abreu, uma das mais conhecidas.


O Ministério da Educação distribuía cadernos escolares, uns da capa toda azul, anos sessenta, e um daqueles cadernos transformou-se no meu primeiro livro de poemas, todas rimadas, metrificadas, embora de métrica eu não tivesse noção nenhuma.
Uma daquelas minhas “obras primas” chamava-se Cinzas do Passado, fechem os olhos ou tapem os ouvidos: “Quem ver-me assim todo em frangalhos / Pergunta-me quem és tu ó ser desgraçado / Com um sorriso forçado respondo amargamente / Eu sou a sombra das cinzas do passado…”, daqui pra pior.

Estando em São Luís, cumprindo expediente na Secretaria de Educação, por lá aparece o meu grande amigo e protetor, Padre Manoel da Penha Oliveira, e me estendendo uma folha manuscrita pediu que a datilografasse. Ora, era uma poesia. Bem diferente das que conhecia. Sem métrica e sem rima, quando a devolvi datilografada ele me explicou que era poesia moderna, e tal, não seguia aquelas regras antigas de métrica e rima.
Guardei uma cópia e lia e relia, que coisa, nunca imaginei que houvesse essa tal de poesia moderna. Estava com ela sempre no bolso. E uma noite ao passar perto do SESC, na Deodoro, notei que pessoas se aglomeravam na entrada, e me dirigi a um jovem perguntando o que era. O jovem era o poeta Viriato Gaspar e me disse que era um recital poético, promovido pelo poeta e professor Carlos Cunha. Entrei com ele e pedi que me apresentasse ao Carlos Cunha o que foi feito. Ao professor Carlos Cunha confessei que era um jovem poeta e, se ele permitisse, gostaria de declamar um poema da minha autoria. Ele aquiesceu e em determinado momento fui chamado ao palco e, embora trêmulo, saquei a poesia do Padre Manoel do bolso e declamei-a como se fosse minha.

Assim estreei como poeta, na capital dos grandes literatos, como um farsante e ao me dar conta do que tinha feito, disse para mim mesmo: agora vais ter que provar que és de fato um poeta e isso não ia ser fácil, mas também não seria impossível visto que eu praticava aquele jogo de versos e palavras há muito tempo.  Em companhia do Viriato Gaspar fui conhecendo os escritores e poetas maranhenses, visto que ele, apesar de moço, gozava de prestígio e respeito entre os escritores, digamos assim, consagrados.

Durante alguns anos eu e o Viriato nos tornamos amigos inseparáveis, unia-nos, além da poesia, alguns aspectos da psicologia humana, como o fato de sermos filhos únicos e de famílias pobres, e vivemos inúmeras e incríveis aventuras.

Os fundadores do Movimento antroponáutica.

Pela sua mão, além de Carlos Cunha, conheci Domingos Vieira Filho, intelectual e escritor dedicado ao folclore e à pesquisa histórica e literária maranhense, o professor Nascimento Moraes Filho, que produziu uma obra poética de cunho social relevante, um dos primeiros a divulgar a obra de Maria Firmina dos Reis. Uma pessoa leva à outra e foram se seguindo Nauro Machado, Arlete Nogueira da Cruz, Fernando Braga, Lauro Leite, Bandeira Tribuzi e José Chagas, a nata da literatura e cultura maranhense daqueles anos setenta. E pintores e músicos, consagrados e iniciantes.


Da minha amizade com Viriato e depois Luís Augusto Cassas, Valdelino Cécio e Chagas Val surgiu o Movimento Antroponáutica, cujo nome é uma homenagem a um poema de Tribuzi, cujo objetivo era renovar, arejar a poesia maranhense, contaminada àquela altura dos anos 70 por inúmeros menestréis de fim de feira. Nem vou nomeá-los, não importa, pois a contribuição deles foi pífia para a nossa literatura.

Mas, devo reconhecer, como jovens iconoclastas, exageramos às vezes, o que resultou numa polêmica com o, depois nosso grande amigo, poeta Carlos Cunha. Nós procurando demolir trovas e trovadores e o Carlos Cunha defendendo e cultuando também essa tradição poética. Debate público, através de artigos em jornais, quando o Carlos Cunha veio pra cima escrevendo sobre nós, num artigo de jornal, “aqueles meninos que têm os dedos sujos de marijuana”, cometendo também ele uma injustiça, pois daquela turma apenas eu era adepto diário do seu uso.

Não posso esquecer o amigo José Frazão, crítico de cinema e literatura, com uma coluna semanal no Jornal do Maranhão, de propriedade da Diocese, e nem posso deixar de agradecer o fato de haver incluído o meu primeiro livro de poemas, publicado com o nome de Chegada Temporal, que saiu pela Mensageiro da Fé, editora baiana, na sua lista dos melhores livros de 1970.